No
decorrer da história, o Brasil passou por diversas modernizações.
Discutindo uma delas, a passagem do império à República, Faoro aponta o caráter
frustrado da reforma projetada por militares, médicos e engenheiros educados no
positivismo.
Tratava-se
de uma elite que "não conseguia dar as cartas no estamento imperial".
A
reforma projetada não modificou a sociedade, apenas criou um novo estamento que
ocupou o lugar do antigo. Atualmente assistimos à realização de reformas
neoliberais empreendidas por sociólogos - antes críticos dos "donos do
poder" - agora amalgamados ao grupo dirigente em uma nova modernização de
cúpula.
A
modernização em curso pretende reformar o Estado para transformá-lo em
Estado-mínimo, desenvolver a economia, fazer a reforma educacional e aumentar o
poder da Iniciativa privada transnacional, por meio do consenso ideológico,
pois temos um presidente democraticamente eleito, que tem o respeito da
esquerda devido ao seu passado político e intelectual, e o respaldo da
direita devido à conciliação da social-democracia com o neoliberalismo. A
conciliação é a estratégia política conservadora que assume uma face progressista,
isto é, a de estar com a história, no caso com o processo de globalização e a
inserção do Brasil na "nova ordem mundial", e que, ao mesmo tempo,
reage à atuação do Estado na política social. Eis a sua fórmula: um máximo de
liberdade econômica, combinando com o respeito formal aos direitos
políticos e um mínimo de direitos sociais. A educação está entre estes.
No
discurso neoliberal a educação deixa de ser parte do campo social e político
para ingressar no mercado e funcionar a sua semelhança. Conforme Albert
Hirschman, este discurso apoia-se na "tese da ameaça", isto é, num
artifício retórico da reação, que enfatiza os riscos de estagnação que o Estado
do Bem-Estar Social representa para a livre iniciativa: para a produção de bens
de consumo, maquinário, para o mercado, para a nova ordem mundial". No
Brasil, embora não haja Estado do Bem-Estar Social, a retórica neoliberal é
basicamente a mesma. Atribui à participação do Estado em políticas sociais a
fonte de todos os males da situação econômica e social, tais como a inflação, a
corrupção, o desperdício, a ineficiência dos serviços, os privilégios dos
funcionários. Defende uma reforma administrativa, fala em reengenharia do
Estado para criar um "Estado mínimo", afirmando que sem essa reforma
o país corre o risco de não ingressar na "nova ordem mundial".
A
retórica neoliberal atribui um papel estratégico à educação e determina-lhe
basicamente três objetivos:
Atrelar
a educação escolar à preparação para o trabalho e a pesquisa acadêmica ao
imperativo do mercado ou às necessidades da livre iniciativa. Assegura que
mundo empresarial tem interesse na educação porque deseja uma força de trabalho
qualificada, apta para a competição no mercado nacional e internacional. Fala
em nova profissionalização situada no
interior de uma formação geral, na qual a aquisição de técnica e linguagens de
informática e conhecimento,, de matemática e ciência adquirem relevância.
Valoriza as técnicas de organização, o raciocínio de dimensão estratégica e a
capacidade de trabalho cooperativo. A integração da universidade à produção
industrial baseada na ciência e na técnica, transforma a ciência em capital
técnico-científico.
Tornar
a escola um meio de transmissão dos seus princípios doutrinários. O que está em
questão é a adequação da escola à ideologia dominante. Esta precisa
sustentar-se também no plano das visões do mundo, por isso, a hegemonia passa
pela construção da realidade simbólica. Em nossa sociedade a função de
construir a realidade simbólica é, em grande parte, preenchida pelos meios de
comunicação de massa, mas a escola tem um papel importante na difusão da
ideologia oficial. O problema para os neoliberais é que nas universidades e nas
escolas, durante as últimas décadas, o pensamento dominante, ou especular,
conforme Alfredo Bosi, tem convivido com o pensamento crítico nas diversas
áreas do conhecimento e nas diversas práticas pedagógicas dialógicas,
alternativas. Nesse quadro, fazer da universidade e da escola veículos de
transmissão do credo neoliberal pressupõe um reforço do controle para enquadrar
a escola a fim de que cumpra mais eficazmente, sua função de reprodutora da
ideologia dominante.
Fazer
da escola um mercado para os produtos da indústria cultural e da informática, o
que aliás é coerente com a idéia de fazer a escola funcionar de forma
semelhante ao mercado, mas é contraditório porque, enquanto, no discurso, os
neoliberais condenam a participação direta do Estado no financiamento da
educação, na prática, não hesitam em aproveitar os subsídios estatais para
divulgar seus produtos didáticos e para didáticos no mercado escolar.
Como
observamos a novidade, se é que assim se pode chamar, do projeto neoliberal
para a educação não é só a privatização. O aspecto central é a adequação da
escola e da universidade pública e privada aos mecanismos de mercado, de modo
que a escola funcione à semelhança do mercado.
No
fundo dessas três críticas, percebe-se que o que incomoda os neoliberais é a
liberdade acadêmica, o (distanciamento da universidade pública em relação aos mecanismos
de mercado, a ausência de submissão aos critérios da produção industrial da
cultura).
"Não
basta ensinar ao homem uma especialidade. Porque ele se tornará assim uma
máquina utilizável, mas não uma personalidade. Os excessos do sistema de
competição e especialização prematura, sob o falacioso pretexto de eficácia,
assassinam o espírito, impossibilitam qualquer vida cultural e chegam a
suprimir os progressos nas ciências do futuro. É preciso, enfim, tendo em vista
a realização de uma educação perfeita, desenvolver o espírito crítico na
inteligência do jovem." (...) "A compreensão de outrem somente
progredirá com a partilha de alegrias e sofrimentos. A atividade moral implica
a educação destas impulsões profundas".
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